“A desproporcionalidade e a ilegalidade da aplicação das multas em débitos fiscais”

As Multas aplicadas pela fiscalização, tem origem nas legislações editadas nas décadas de 80 e 90, onde vivíamos um período inflacionário.

Nesse período, o tributo perdia consideravelmente seu valor entre a data da autuação fiscal e o momento do efetivo recolhimento, já que os índices de inflação mensais eram superiores a 50%.

Com isso, foram estabelecidas penalidades pecuniárias de 60%, 75%, 150%, 225% e até 300% sobre o tributo devido, montante que não encontra paralelo em nenhum dos sistemas tributários modernos.

A função da multa é sancionar, é punir o descumprimento de determinadas obrigações, determinados deveres jurídicos.

Código Tributário Nacional, “é sanção administrativa por descumprimento de obrigação”

Ademais, dividem-se as obrigações tributárias em principais ou acessórias, conforme determinação do artigo 113 do Código Tributário Nacional.

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

  • 1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objetivo o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
  • 2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL:

É o dever do contribuinte de pagar tributos ao Estado, sejam impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e outras contribuições cobradas com intenção de intervir no domínio econômico e no interesse de profissionais ou categorias econômicas.

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA:

Tem como objetivo auxiliar a fiscalização e arrecadação dos tributos pelo Estado e corresponde a qualquer exigência feita pela legislação tributária que não seja o pagamento do tributo, como, por exemplo, emitir nota fiscal, escriturar livros fiscais, permitir o exame de livros e documentos pelo fiscal, inscrever-se no cadastro de contribuintes, fazer a declaração de bens, etc.

Com a economia estabilizada, esses percentuais não têm mais o menor sentido, pois atualmente só possui o interesses arrecadatório e levam ao confisco do patrimônio do contribuinte.

Autos de Infração sejam lavrados prevendo a cumulação dessas penalidades com outras de caráter acessório, como ocorre com a multa:

  • Falta de pagamento de estimativas (50%);
  • Não atender a forma ou omitir as informações relativas aos arquivos magnéticos (0,5% da receita bruta ou 5% da operação respectivamente);
  • Compensação indevida (50%. 75% ou 150%). Há casos em que a reunião dessas penalidades no lançamento de ofício alcança valores superiores a 300% do valor do tributo devido

 

Multas em lançamento de ofício
Hipóteses Regular Qualificada
Multa de ofício 20% 75% 150%
Multa Isolada – Estimativas 50% ***
Agravamento por não atendimento de intimação 112,5% 225%

 

Multas por compensação indevida
Hipóteses Não homologada Não declarada
Multa Isolada 50% do débito 75% do débito
Falsidade da declaração 150% do débito ***
Fraude, sonegação ou conluio *** 150% do débito
Agravamento por não atendimento de intimação 75% ou 225% 112.5%  225%   300%

 

Desta forma, a análise dos Princípios Tributários aplicáveis às multas:

  • Razoabilidade ou Proporcionalidade;
  • Subsidiariedade;
  • Capacidade Contributiva
  • Não Confisco;
  • Infungibilidade e da Pecuniariedade;
  • Tipicidade;
  • Não Prorrogação de Multas; e
  • Legalidade

RAZOABILIDADE OU PROPORCIONALIDADE:

Não se pode impor aos indivíduos obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária. Entende-se que as legislações que estabelecem multas por descumprimento de obrigação tributária em patamares superiores aos limiares da razoabilidade são inconstitucionais, pois, a proporcionalidade entre os meios que se utilizados pelo Fisco e os fins que ele tem que alcançar, respeitar este princípio, sendo que o ato ilícito cometido pelo contribuinte, pelo não cumprimento da obrigação, pode ser punido proporcionalmente ao fato praticado, assim como os acréscimos de multa, juros e correção também devem ser proporcionais, no intuito de punir e reprimir o ato ilícito

SUBSIDIARIEDADE:

Nada mais significa senão a subordinação das multas aos princípios e normas do Direito Tributário ou de outros ramos.

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA:

Impede que a tributação incida sobre os valores mínimos que o contribuinte tem para se manter; os limites da retirada da riqueza do contribuinte, sob pena de incorrer em tributação injusta; os percentuais de multas impostos pela legislação podem ser revistos pelo Poder Judiciário.

NÃO CONFISCO:

O artigo 150, inciso IV da Constituição Federal, consagra o Princípio do Não-Confisco:

“art. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV: utilizar tributo com efeito de confisco.”

 

Impede o livre-arbítrio do legislador quando da instituição de tributos.

Dalla, ainda, que “para melhor individualizar a multa, recomenda-se ao Judiciário fixá-la após uma avaliação criteriosa da situação biosócio-econômica do cidadão ”

O juiz deve fixar os valores de multas baseado em critérios justos, e todos os tributos que ultrapassem os limites da razoabilidade podem ensejar efeito de confisco, sendo, portanto, inconstitucionais, assim como também as penalidades podem ser confiscatórias sempre que forem desproporcionais ao objetivo punitivo.

INFUNGIBILIDADE E DA PECUNIARIEDADE:

Este princípio, que embora não esteja previsto nas leis em vigor, ela permite que os juízes possam aumentar ou reduzir as multas tributárias, mas não pode substituí-las por outras cominações. Elas não podem ser substituídas por outras penalidades, como perdimento de bens, privação de liberdade, interdição de estabelecimentos, inclusão do nome do contribuinte no Serasa.

TIPICIDADE:

Descreve a sujeição ativa e passiva, a base econômica, a alíquota, a materialidade, o lugar e o tempo de descumprimento das obrigações; descreve, em suma, sobre o que deve incidir as multas tributárias.

NÃO PRORROGAÇÃO DE MULTAS:

Finalidade restringir a possibilidade do mesmo fato tributário ser apenado diversas vezes apenas com a multa tributária

LEGALIDADE:

Ele garante a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (fisco), as quais devem ser, obrigatoriamente, disciplinadas, em lei.

EXEMPLO:

As empresa que estão no Lucro Real e Presumido – são obrigadas a entregar periodicamente a chamada Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF.

Quase totalidade dos tributos administrados pela Receita Federal são submetidos ao regime do lançamento por homologação, que pressupõe que o contribuinte calcule, pague e declare os débitos apurados por sua própria conta.

DCTF nada mais é do que uma obrigação acessória, cuja relevância para o Fisco Federal é incontestável.

art. 7º da Lei nº 10.426/023 prevê que o atraso na entrega da DCTF (assim como da DIPJ) importará em multa variável calculada de acordo com o total dos tributos informados na declaração:

“Art. 7o O sujeito passivo que deixar de apresentar Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ, Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica, Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte – DIRF e Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais – Dacon, nos prazos fixados, ou que as apresentar com incorreções ou omissões, será intimado a apresentar declaração original, no caso de não-apresentação, ou a prestar esclarecimentos, nos demais casos, no prazo estipulado pela Secretaria da Receita Federal – SRF, e sujeitar-se-á às seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

(…)

II – de dois por cento ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante dos tributos e contribuições informados na DCTF, na Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica ou na Dirf, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega destas Declarações ou entrega após o prazo, limitada a vinte por cento, observado o disposto no § 3º;

(…)

  • 1o Para efeito de aplicação das multas previstas nos incisos I, II e III do caput deste artigo, será considerado como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo originalmente fixado para a entrega da declaração e como termo final a data da efetiva entrega ou, no caso de não-apresentação, da lavratura do auto de infração. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)
  • 2º Observado o disposto no § 3º, as multas serão reduzidas:

I – à metade, quando a declaração for apresentada após o prazo, mas antes de qualquer procedimento de ofício;

II – a setenta e cinco por cento, se houver a apresentação da declaração no prazo fixado em intimação.

  • 3º A multa mínima a ser aplicada será de:

I – R$ 200,00 (duzentos reais), tratando-se de pessoa física, pessoa jurídica inativa e pessoa jurídica optante pelo regime de tributação previsto na Lei nº 9.317, de 1996;

II – R$ 500,00 ( quinhentos reais), nos demais casos.”

Assim, basta imaginar o caso de uma empresa que declare como o total dos tributos devidos (IRPJ, IRRF, CSLL, PIS e COFINS) no mês o montante de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais). Neste caso, o atraso de um único dia na entrega na declaração importará na aplicação de multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Um dos mais importantes princípios constitucionais é o chamado princípio da proporcionalidade.

Para HUMBERTO ÁVILA , esse Princípio é como um meta-princípio (postulado), a se espraiar por toda a Constituição Federal – decorre da própria idéia do Estado de Direito, previsto no art. 1º da CF/88.

É por isso que o Ministro GILMAR MENDES, em “O Princípio da Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras” afirmou que “a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.

Realmente, o princípio da proporcionalidade representa verdadeira garantia aos direitos fundamentais dos administrados, e visam justamente coibir os excessos legislativos e administrativos das autoridades públicas.

Ademais, para sancionar o contribuinte e coibir o atraso na apresentação da declaração, bastaria a previsão de uma multa fixa, mesmo que de valor elevado, mas compatível com o grau de reprovação da conduta (como deve ocorrer em todos os casos de descumprimento de obrigação acessória).

Nesta linha, reconhecendo a invalidade de multas desproporcionais ou desarrazoadas, são muitas as manifestações da doutrina, como a de LUCIANO AMARO13: a multa não pode ser transformada em instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer da gravidade do dado ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos”.

No mesmo sentido, LEANDRO PAULSEN14, ao prescrever que são inadmissíveis as multas excessivamente onerosas, insuportáveis, irrazoáveis. O princípio da proporcionalidade impede que se possa reconhecer validade a uma multa quando se evidencie o descompasso entre o grau da infração e a punição cominada.”

Neste sentido, inclusive, já julgou o Plenário do STF na ADIN 551-1/RJ, ao consignar que “A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.” (Tribunal Pleno, Rel. Ilmar Galvão, dj. 14.02.2003)

Decisões do STF

AGRAVO REGIMENTAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL E DIFUSO. RESERVA DE PLENÁRIO. HIPÓTESE DE INAPLICABLIDADE. TRIBUTÁRIO. MULTA. CARÁTER CONFISCATÓRIO. A submissão prévia da arguição de inconstitucionalidade ao Plenário é dispensável se a matéria já tiver sido examinada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo órgão competente do Tribunal local (art. 481, par. ún., do CPC). Esta Suprema Corte firmou orientação quanto à inconstitucionalidade de normas que impusessem multas por infração tributária desproporcionais à conduta do sujeito passivo. Precedentes. O Tribunal de origem se limitou a aplicar a linha jurisprudencial desta Suprema Corte, sem que se possa identificar nos autos particularidades que justificassem se tratar de assunto novo que merecesse solução diversa daquela já preconizada pelos precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento”

(RE nº 501.838-AgR/RN, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 19/6/12) (grifo nosso).

“AGRAVO REGIMENTAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RESERVA DE PLENÁRIO. DESNECESSIDADE. TRIBUTÁRIO. MULTA. DESPROPORCIONALIDADE. GRAVIDADE OU POTENCIAL OFENSIVO DO ATO PUNIDO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO. Como o acórdão recorrido está em conformidade com os precedentes da Corte sobre a matéria de fundo (desproporcionalidade de multa tributária), é inexigível a submissão da controvérsia ao Plenário (art. 481, par. ún., do CPC). Agravo regimental ao qual se nega provimento” (RE nº 594.515-AgR/RN, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 22/5/12) (sem grifo no original).

Decidiu a controvérsia consignando que independentemente do percentual aplicado à multa (60% ou 100%), o que se observa é a incidência  excessiva e desproporcional em relação à obrigação principal, caracterizando o caráter confiscatório, mesmo que se considere sua função preventiva e punitiva.

Ademais, ressalto que no julgamento da ADI nº 2.010-MC (Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 12/4/02) esta Corte estabeleceu alguns parâmetros pelos quais poderia ser identificado o efeito confiscatório:

A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se , ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância , pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. (…).

O Poder Público, especialmente em sede de tributação […] não pode agir imoderadamente , pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.

O Princípio da Razoabilidade ou Proporcionalidade significa que não se pode impor aos indivíduos obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária.

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